Avaliação Global Subjetiva
em Pediatria
JUSTIFICATIVA
A avaliação nutricional em pediatria é um desafio ainda maior do que a do indivíduo adulto ou idoso. As crianças têm a particularidade do crescimento que deverá ser obrigatoriamente contemplada pela avaliação. O objetivo da avaliação nutricional nesta população é similar ao do que se pratica para adultos, ou seja, identificar desnutrição entre crianças que terão morbidade aumentada pelo estado nutricional deficitário e, que beneficiar-se-ão de intervenção nutricional o mais precocemente possível.
A antropometria, desenvolvida cerca de 30 – 50 anos atrás em populações de países em desenvolvimento onde as causas de desnutrição são distintas das de países desenvolvidos, é comumente usada na prática clínica em hospitais e ambulatórios. Essa tem várias limitações, como padrão e técnicas adequadas. Os parâmetros bioquímicos (albumina, prealbumina e transferrina), similarmente à população adulta, sofrem interferência de uma série de outros fatores não nutricionais, em particular, a presença de inflamação. Assim, a avaliação global subjetiva (1), abordagem ampla do estado nutricional com foco no raciocínio clínico e exame físico dirigido, desenvolvida há mais de três décadas para adultos e com excelente capacidade preditiva de morbimortalidade (2) é altamente atrativa para ser aplicada em crianças (3).
MÉTODO
O uso de raciocínio clínico objetivando dados da história da doença atual e nutricional, assim como do exame físico com o objetivo de prover o diagnóstico nutricional tem se mostrado extremamente benéfico entre adultos e idosos, no mundo todo. Nesse sentido, seguindo essa premissa em pediatria também poderia ser utilizado, mas com adaptações (3).
CRESCIMENTO E PESO
A história clínica deverá contemplar o crescimento linear com base no percentil de altura e peso para a idade, em especial considerando-se a altura dos pais e, o crescimento seriado da criança até a data da avaliação, sempre levando-se em conta as tabelas de percentil da Organização Mundial de Saúde. Se o percentil estive abaixo de 3, há grande suspeita de crescimento inadequado. Porém, quando muito inferior, há indicação da gravidade da situação. Ao se avaliar a curva seriada de percentil, também deve-se contemplar queda abrupta, sendo esse fator de risco para o estado nutricional depauperado. De forma geral, na fase de crescimento, sempre que houver queda na curva de percentil, isso é indicativo de fator de risco nutricional. O mesmo raciocínio é aplicado para as mudanças de peso corporal. Contudo, o peso em relação à altura fornecerá o peso ideal, que, se definido em até 90%, indica bom estado nutricional, entre 75% e 90%, sugestivo de desnutrição moderada e abaixo de 75%, desnutrição grave.
Perda de peso não intencional ou ausência de ganho é indubitavelmente marcador de alto risco, em crianças. Novamente, é fundamental, avaliar a curva seriada de peso. Perda aguda é normalmente associada a alterações de hidratação e de estado nutricional, diretamente relacionadas com o quadro patológico. Desta forma, perda de peso rápido de 5% em um mês é muito mais relevante de que perda da mesma quantidade ao longo de maior tempo. A perda entre 5% e 10% é considerada moderada e acima de 10% grave.
INGESTÃO DIETÉTICA
Deve-se questionar sobre os alimentos ingeridos, as quantidades, as consistências, o padrão de apetite e as preferências alimentares. De forma subjetiva, todos estes parâmetros devem ser comparados aos recomendados para crianças da mesma idade daquela que está a ser examinada. O período (tempo) em que as mudanças ocorreram é de fundamental importância, pois determina o risco de balanço nutricional negativo ao longo desse tempo. Assim, quando as alterações persistem por mais de duas semanas, isso é extremamente relevante.
SINTOMAS E SINAIS GASTROINTESTINAIS
Alterações persistentes do trato gastrointestinal, como inapetência, dor, náuseas e vômitos impactam negativamente no estado nutricional da criança, pois interferem na ingestão adequada. A duração dessas por mais de duas semanas é grande fator de risco para estado nutricional comprometido. Obviamente, a presença isolada por dois ou três dias de qualquer um desses sintomas ou sinais não é significante.
ALTERAÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Em crianças, as alterações da funcionalidade e do humor são precocemente identificadas, uma vez, que a criança fica menos ativa e mais apática, algo que entre adultos ocorre mais tardiamente. Em especial, o tempo em que essas alterações ocorreram é também indicativo da gravidade da disfunção.
ESTRESSE METABÓLICO
As demandas metabólicas associadas à doença estão diretamente vinculadas à gravidade da mesma, sendo que infecção com febre, em geral, aumenta bastante a demanda metabólica, enquanto enfermidade mais crônica, é menos hipermetabólica.
Exemplos de enfermidades e respectivas demandas metabólicas:
Baixa demanda – operações pequenas e médias (via laparoscópica); lesão por pressão pequena, gastroenterite, bronqueolite, fraturas de ossos curtos;
Alta demanda – trauma e múltiplas fraturas, infecções sistémicas com grave inflamação, hipertireoidismo.
EXAME FÍSICO
O exame físico não requer o uso de nenhum instrumento específico, mas é complementado com a mensuração de peso e altura. Alterações de camada adiposa e muscular são identificadas de maneira subjetiva, assim como a presença de edema. Contudo, ao se contemplar toda a história prévia, resulta na melhor capacidade de identificar tais alterações físicas, em especial tentando fazer-se comparação com o período anterior à doença (para tal, a informação dos pais ou familiar é essencial).
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico contempla o raciocínio completo considerando-se todos os itens da história clínica e do exame físico. A criança será classificada como nutrida, desnutrida moderada, e desnutrida grave.
No Brasil, a avaliação global subjetiva em pediatria foi validade há alguns anos (4) e houve alta concordância entre os avaliadores. Mundialmente, tem sido usada por outros autores(5).
Referência
- Detsky AS, McLaughlin JR, Baker JP, Johnston N, Whittaker S, Mendelson RA, et al. What is subjective global assessment of nutritional status? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1987;11(1):8-13.
- Correia MI, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on morbidity, mortality, length of hospital stay and costs evaluated through a multivariate model analysis. Clin Nutr. 2003;22(3):235-9.
- Secker DJ, Jeejeebhoy KN. How to perform Subjective Global Nutritional assessment in children. J Acad Nutr Diet. 2012;112(3):424-31.e6.
- Carniel MP, Santetti D, Andrade JS, Favero BP, Moschen T, Campos PA, et al. Validation of a subjective global assessment questionnaire. J Pediatr (Rio J). 2015;91(6):596-602.
- Kumar J, Singh A. Subjective Global Nutritional Assessment: A Reliable Screening Tool for Nutritional Assessment in Cerebral Palsy Children – Correspondence. Indian J Pediatr. 2018;85(8):708-9.