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Nutrição e Vida

Tomografia computadorizada e composição corporal

Tomografia computadorizada e composição corporal 

                 A tomografia computadorizada (TC) é um método bastante conhecido pela sua acurácia diagnóstica na área clínica. No entanto, este método de imagem tem sido cada vez mais utilizado para avaliar a composição corporal na área da pesquisa. Esta técnica ganhou destaque a partir de dois estudos publicados em 2004 e 2008. No primeiro estudo, Shen et al.1 demonstraram que era possível predizer de uma maneira acurada a massa muscular esquelética total a partir medidas realizadas em um único corte a nível de L3. No segundo estudo, Mourtzakis et al. demonstraram que, utilizando um software que identificava os diferentes tecidos a partir das suas faixas de unidades Hounsfield, era possível quantificar não somente a massa muscular esquelética e a gordura corporal, mas também identificar a distribuição da gordura [subcutânea, visceral e intramuscular (mioesteatose)], além de possibilitar informações sobre a radiodensidade (atenuação) destes tecidos.2 A área dos diferentes tecidos é medida em cm2 e, após ajuste para a altura2, cria-se o índice de músculo esquelético lombar em cm2/m2 (Skeletal muscle index – SMI). É importante notar que, apesar do nome semelhante, este índice de músculo esquelético difere daquele avaliado pela ressonância magnética, que representa a massa muscular esquelética total do corpo em kg, e tem por unidade kg/m2. Em relação à gordura corporal, destaca-se a importância da relação entre a gordura visceral (visceral adipose tissue – VAT) em relação à gordura subcutânea (subcutaneous adipose tissue – SAT). Quanto maior este índice, maior o risco de síndrome metabólica, independente do índice de massa corporal (IMC).

                 Estudos subsequentes, inicialmente retrospectivos, utilizando base de dados de pacientes com câncer, nos trouxeram vários ensinamentos a respeito da associação da baixa massa muscular (neste contexto conhecida como “sarcopenia”), da mioesteaose ou sua radiodensidade com diversos desfechos adversos, como toxicidade à quimioterapia, mortalidade, complicações pós-operatórias, etc.3 A partir da CT, confirmou-se que indivíduos com o mesmo IMC podem ter composição corporal totalmente distintas,4 além de demonstrar que pacientes com câncer poderiam apresentar grandes variações na sua composição corporal mesmo mantendo seu peso estável.5

                  Hoje, existem estudos demonstrando a utilidade da CT como método de composição corporal em outras situações clínicas além da oncologia, tais como pacientes críticos e pacientes com cirrose hepática, confirmando a associação das alterações da composição corporal identificadas por este método e diversos desfechos adversos. Apesar de haver discordância entre os resultados dos diversos estudos (quase 2500 estudos no PUBMED com as palavras computed tomography AND body composition), é de extrema importância todo o conhecimento que o uso desta ferramenta possibilitou em relação às alterações dos compartimentos corporais e os diversos desfechos clínicos adversos.

                Existem algumas possíveis razões para a divergência entre os resultados dos estudos que tentam associar as alterações musculares medidas pela CT com desfechos adversos. Uma delas diz respeito aos pontos de corte utilizados: a maioria dos estudos utilizam pontos citados na literatura, mas desenvolvidos por métodos estatísticos (Curva ROC ou ótima estratificação) ou quantis (tercis, quartis ou quintis). Apesar da metodologia correta, os pontos de corte derivados por estas estratégias não têm validade externa, a não ser que as características da população estudada sejam semelhante do estudo que os originou: etnia, idade e até mesmo IMC. Por exemplo, um dos primeiros pontos de corte e um dos mais utilizados é o do estudo de Prado et al.6 desenvolvido num estudo com pacientes obesos com câncer. Estudos posteriores sugerem que estes pontos de corte têm que ser adaptados conforme o IMC.7,8 Mais recentemente, estudos realizados em indivíduos saudáveis (doadores de órgãos para transplante) têm fornecido pontos de corte mais generalizados para algumas populações.9,10

                Nos últimos anos, algumas novidades surgiram na área da utilização da CT para avaliação da composição corporal. Uma delas é a utilização de avaliação de músculos isolados a nível de L3, como o psoas, para a avaliação. Outros estudos vêm sugerindo que outras áreas, a nível torácico e até mesmo cervical, poderiam ser utilizadas para a avaliação da baixa muscularidade.

                Apesar de da TC ser considerado um método padrão ouro, algumas características impedem seu uso atualmente fora do ambiente de pesquisa de forma generalizada. A primeira delas diz respeito à radiação envolvida com a técnica. Por esta razão, a TC torna-se um método de conveniência em algumas situações clínicas em que o exame já tenha sido realizado por motivos clínicos (pacientes com câncer, críticos ou com cirrose em rastreamento de carcinoma hepatocelular). Outra limitação de ordem prática, já discutida anteriormente, é a falta de pontos de corte adequados, que devem ser específicos para cada população estudada. A última limitação associada ao método, a análise manual das imagens através de softwares especiais, vem sendo resolvida. Existem diversos softwares disponíveis, comercializados ou gratuitos, que possibilitam a análise das imagens. No entanto, a análise é feita de forma manual, e depende de treinamento, prática (observador-dependente), além de levar tempo considerável (no mínimo 15 a 20 minutos/scan) quando realizado por uma pessoa com prática, impossibilitando as análises em larga escala.11 Mais recentemente, alguns softwares possibilitam a análise automatizada em < 1 segundo/scan, através da tecnologia deep learning (um subcampo do machine learning). Estas ferramentas podem possibilitar as análises em larga escala, tornando mais viáveis tanto estudos com grandes amostras como seu uso na prática clínica.

Referências

  1. Shen W, Punyanitya M, Wang Z, et al. Total body skeletal muscle and adipose tissue volumes: estimation from a single abdominal cross-sectional image. J Appl Physiol (1985) 2004;97:2333-8.
  2. Mourtzakis M, Prado CM, Lieffers JR, et al. A practical and precise approach to quantification of body composition in cancer patients using computed tomography images acquired during routine care. Appl Physiol Nutr Metab 2008;33:997-1006.
  3. Baracos VE, Mazurak VC, Bhullar AS. Cancer cachexia is defined by an ongoing loss of skeletal muscle mass. Ann Palliat Med 2019;8:3-12.
  4. Prado CM, Gonzalez MC, Heymsfield SB. Body composition phenotypes and obesity paradox. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 2015;18:535-51.
  5. Baracos VE, Arribas L. Sarcopenic obesity: hidden muscle wasting and its impact for survival and complications of cancer therapy. Ann Oncol 2018;29 Suppl 2:ii1-ii9.
  6. Prado CM, Lieffers JR, McCargar LJ, et al. Prevalence and clinical implications of sarcopenic obesity in patients with solid tumours of the respiratory and gastrointestinal tracts: a population-based study. Lancet Oncol 2008;9:629-35.
  7. Caan BJ, Meyerhardt JA, Kroenke CH, et al. Explaining the Obesity Paradox: The Association between Body Composition and Colorectal Cancer Survival (C-SCANS Study). Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2017;26:1008-1015.
  8. Martin L, Birdsell L, Macdonald N, et al. Cancer cachexia in the age of obesity: skeletal muscle depletion is a powerful prognostic factor, independent of body mass index. J Clin Oncol 2013;31:1539-47.
  9. Derstine BA, Holcombe SA, Ross BE, et al. Skeletal muscle cutoff values for sarcopenia diagnosis using T10 to L5 measurements in a healthy US population. Sci Rep 2018;8:11369.
  10. van der Werf A, Langius JAE, de van der Schueren MAE, et al. Percentiles for skeletal muscle index, area and radiation attenuation based on computed tomography imaging in a healthy Caucasian population. Eur J Clin Nutr 2018;72:288-296.
  11. Paris MT. Body Composition Analysis of Computed Tomography Scans in Clinical Populations: The Role of Deep Learning. Lifestyle Genom 2020;13:28-31.

 

 

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