fbpx

Nutrição e Vida

Desnutrição
e consequências

Desnutrição e consequências

            A desnutrição, síndrome mais comum em hospitais no mundo, pode alcançar prevalências superiores a 50%.  A grande variação das taxas de prevalência mundial se deve às diversas técnicas usadas para diagnosticar a desnutrição. No Brasil, o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar avaliou 4.000 doentes adultos, internados pelo Sistema Único de Saúde, em hospitais gerais e identificou prevalência de desnutrição de 48,1% sendo 12,6% de desnutridos graves (1).

Quais são as consequências da desnutrição?

A desnutrição resulta em várias deficiências de macro e micronutrientes que impactam no organismo como um todo, causando alterações funcionais, metabólicas, inflamatórias e imunológicas, associadas ao aumento de morbimortalidade, tempo de internação e custos, além de aumento de risco de readmissão hospitalar.

Pacientes hospitalizados desnutridos apresentaram maior probabilidade de complicações, entre duas e 20 vezes, quando comparados com enfermos nutridos (2). Pacientes com desnutrição grave tiveram índices de complicações de 42%, enquanto aqueles com desnutrição moderada apresentaram 9% (3). Weinsier et al mostraram que pacientes desnutridos tiveram índice de mortalidade três vezes superior ao daqueles que se encontraram nutridos (4). Seltzer et al.  registraram que doentes com perda de peso acima de 4,5 quilos tiveram um aumento na mortalidade de 19 vezes (5). Meguid et al.  identificaram, em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de câncer colo-retal,  taxa de mortalidade de 12% em pacientes desnutridos contra 6% em pacientes nutridos (6).

No Brasil, há dados que também apontam para os efeitos deletérios da desnutrição. Os resultados do IBRANUTRI confirmaram que pacientes desnutridos apresentam mais complicações (quase duas vezes mais), mortalidade aumentada (três vezes), tempo de internação prolongado (50%) e isso causou aumento dos custos gerais (7). Estudos mais recentes do nosso grupo, em pacientes em lista de espera para transplante hepático (8) e com câncer (9) confirmam que a desnutrição impacta negativamente na evolução dos enfermos.

Alterações funcionais

Apatia, letargia, alterações da capacidade intelectual, depressão, ansiedade, irritabilidade podem estar presentes em indivíduos desnutridos. Algumas destas alterações foram muito bem descritas há vários anos por Ancel Keys, coordenador do estudo de Minnesota (10). Em crianças e adolescentes, o retardo do crescimento é outro sinal.

A capacidade muscular de desnutridos é significativamente diminuída. A associação entre desnutrição e diminuição da capacidade funcional é fator de risco para maior incidência de pneumonias. Estes doentes têm alteração da capacidade contrátil dos músculos respiratórios com concomitante fadiga respiratória precoce. Isto dificulta a expectoração, o que favorece o crescimento. É importante ressaltar que as alterações funcionais musculares da desnutrição surgem antes das mudanças em parâmetros antropométricos e laboratoriais.

Alterações Digestivas

Um dos locais mais afetados é o trato gastrointestinal, que além da função na digestão e na absorção de nutrientes é considerado importante órgão imunológico ao atuar como barreira à entrada de micro-organismos.

Os componentes da barreira intestinal são a própria mucosa intestinal, a mucina, a microbiota simbiótica, os anticorpos secretórios específicos (ex. a IgA secretória), os macrófagos e outras células imunológicas da lâmina própria do intestino e dos linfonodos mesentéricos. Todos dependem de nutrição para adequado funcionamento. As células epiteliais do intestino são renovadas a cada dois a três dias, e dependem de substratos nutritivos presentes no lúmen intestinal e sangue. Assim, a ausência de nutrientes, a diminuição do fluxo circulatório e fenômenos hormonais podem interferir diretamente na capacidade de regeneração da mucosa intestinal. O melhor estímulo trófico para a proliferação de células é a presença de nutrientes no lúmen intestinal.

O jejum, por curto período de tempo, em voluntários sadios resultou em alterações das enzimas, do fluxo sanguíneo, do tempo de trânsito intestinal, do tamanho das vilosidades intestinais, da absorção e da permeabilidade intestinal e do “turnover” de células do intestino delgado. Ademais, o intestino grosso também apresenta alterações decorrentes do jejum, ao diminuir a capacidade de absorver água e eletrólitos, apesar de ter capacidade secretória estimulada. Roediger (11) defende que o íleo tem atividade secretória aumentada durante períodos de jejum, o que pode explicar os episódios de diarreia de pacientes com desnutrição grave,  associados a mortalidade aumentada. Winter (12)15 aponta que há diminuição da função digestiva em pacientes desnutridos (síntese proteica, secreções gastropancreáticas, e a absorção de gorduras e xilose)  quando comparados com indivíduos sadios.

Função imunológica

            A função imunológica de doentes desnutridos está alterada. Isso justifica a incidência aumentada de complicações infecciosas destes enfermos. Contudo, é extremamente difícil definir como a imunidade destes indivíduos é afetada em consequência da desnutrição por si só, sem sofrer a interferência de outros fatores de confusão como a presença de doenças crônicas e imunológicas.

Alguns autores têm mostrado que desnutrição é fator de risco para resposta imunológica diminuída. Welsh et al. mostraram que pacientes cirúrgicos desnutridos apresentaram redução do complexo de histocompatibilidade maior tipo II (MHC) quando estimulados com interferon-g, com consequente diminuição do número de bactérias fagocitadas por célula. A expressão do MHC foi diretamente associada com a gravidade do estado nutricional (13).

Cicatrização de feridas   

            Pacientes operados têm retardo de cicatrização das feridas, com aumento de probabilidade de deiscência de ferida operatória e anastomoses, o que interfere significativamente no tempo de permanência hospitalar com concomitante aumento de custos.

Custos da desnutrição

Chima et al. (14) mostraram, em estudo prospectivo, que pacientes com algum fator de risco para desnutrição apresentaram tempo médio de internação significativamente superior (6 dias versus 4 dias).  Além disso, os pacientes desnutridos representaram maior custo hospitalar (US$ 6,196.00 versus 4,563.00) e maior risco de necessidade de internação domiciliar após a alta hospitalar (31% versus 12%).

No Brasil, o IBRANUTRI (7) evidenciou que pacientes desnutridos tiveram incidência de complicações significativamente aumentada quando comparados com os nutridos (27% versus 16,8%). O tempo de internação hospitalar foi maior (16,7 dias versus 10,1 dias) e a mortalidade também foi superior em pacientes desnutridos (12,4% versus 4,7%). Por outro lado, se a desnutrição é tratada, como demonstrado em  recente trabalho, há nítido benefício (15).

Referências

  1. Waitzberg DL, Caiaffa WT, Correia MI. Hospital malnutrition: the Brazilian national survey (IBRANUTRI): a study of 4000 patients. Nutrition. 2001;17(7-8):573-80.
  2. Buzby GP, Mullen JL, Matthews DC, Hobbs CL, Rosato EF. Prognostic nutritional index in gastrointestinal surgery. Am J Surg. 1980;139(1):160-7.
  3. Detsky AS, Baker JP, O’Rourke K, Johnston N, Whitwell J, Mendelson RA, et al. Predicting nutrition-associated complications for patients undergoing gastrointestinal surgery. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1987;11(5):440-6.
  4. Weinsier RL, Hunker EM, Krumdieck CL, Butterworth CE, Jr. Hospital malnutrition. A prospective evaluation of general medical patients during the course of hospitalization. Am J Clin Nutr. 1979;32(2):418-26.
  5. Seltzer MH, Bastidas JA, Cooper DM, Engler P, Slocum B, Fletcher HS. Instant nutritional assessment. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1979;3(3):157-9.
  6. Meguid MM, Mughal MM, Meguid V, Terz JJ. Riskbenefit analysis of malnutrition and perioperative nutritional support: a review. Nutrition international. 1987;3(25):5.
  7. Correia MI, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on morbidity, mortality, length of hospital stay and costs evaluated through a multivariate model analysis. Clin Nutr. 2003;22(3):235-9.
  8. Ferreira LG, Santos LF, Silva TR, Anastácio LR, Lima AS, Correia MI. Hyper- and hypometabolism are not related to nutritional status of patients on the waiting list for liver transplantation. Clin Nutr. 2013.
  9. Mauricio SF, Ribeiro HS, Correia MI. Nutritional Status Parameters as Risk Factors for Mortality in Cancer Patients. Nutr Cancer. 2016;68(6):949-57.
  10. The Biology of Human Starvation. Keys A BJ, Henschel A, Mickelse O, Taylor HL, editor: University of Minnesota Press; 1950.
  11. Roediger WE. Famine, fiber, fatty acids, and failed colonic absorption: does fiber fermentation ameliorate diarrhea? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1994;18(1):4-8.
  12. Winter TA. The effects of undernutrition and refeeding on metabolism and digestive function. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2006;9(5):596-602.
  13. Welsh FK, Farmery SM, Ramsden C, Guillou PJ, Reynolds JV. Reversible impairment in monocyte major histocompatibility complex class II expression in malnourished surgical patients. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1996;20(5):344-8.
  14. Chima CS, Barco K, Dewitt ML, Maeda M, Teran JC, Mullen KD. Relationship of nutritional status to length of stay, hospital costs, and discharge status of patients hospitalized in the medicine service. J Am Diet Assoc. 1997;97(9):975-8; quiz 9-80.
  15. Toulson Davisson Correia MI, Castro M, de Oliveira Toledo D, Farah D, Sansone D, de Morais Andrade TR, et al. Nutrition Therapy Cost-Effectiveness Model Indicating How Nutrition May Contribute to the Efficiency and Financial Sustainability of the Health Systems. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2020.

 

Clique no link abaixo para conhecer mais sobre o nosso curso

pt_BRPortuguese